sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Dias Vazios


Dias vazios





Pai, como está doendo a tua ausência, meus dias estão vazios e sem sentido.


No dia que foste internado eu, internamente, já sabia que não retornaria para casa. Sabia que seu pulmão não agüentaria, e torcia para que teu coração parasse, a fim de que sua morte fosse sem dor e sem sofrimento.

No entanto, te vi sofrendo. Vi-te lutando bravamente para respirar, para continuar vivo e cuidar de tuas filhas como sempre cuidou.


Nos últimos anos tua saúde frágil não te impediu de nos amar e de nos dar o teu melhor. Neste tempo pude te conhecer melhor, me aproximar, deixar aflorar o meu amor por ti, pois o senhor ficou mais acessível aos meus carinhos, aos meus mimos, aos meus beijos.


Eu era a única filha que dormia na tua casa e, com isto, fui privilegiada a ficar até altas horas da madrugada conversando, rindo, tomando sorvete contigo. Apresentei-te a Internet, encontrei a tua irmã, te mostrei as fotos da sua mãe e do seu irmão que morreu tão prematuramente.


Ouvi tuas histórias de vida e de marinha. Ouvi também os teus desabafos e ressentimentos. Levei broncas, fui aconselhada, fui direcionada e mimada.


Os últimos 10 dias que ficamos juntos em tua casa foram de muito trabalho, cansaço, risos, alegria, união, pois, nestes dias, conseguiste reunir tuas filhas em volta de ti. Trabalhamos em escala, pois o lanche do papai precisava ser servido em horário britânico. Em contrapartida engordamos alguns quilos de tantas guloseimas que Liane e Wilson levavam todas as tardes. Mirian atendia os teus desejos mais sofisticados e eu te mimava o dia todo com cafezinho, biscoitinhos, sorvete, entre outras besteirinhas e Nice te ligava todos os dias.

Mesmo no hospital o senhor nos fez rir e chorar. Lá, o senhor conseguiu realizar o teu maior sonho. Ver tuas filhas unidas. E esta união nos fez tomar a decisão mais difícil de nossas vidas. A decisão de diminuir o teu tempo de sofrimento, te dar conforto respiratório e abreviar a tua morte.


Pai, te amo tanto. Está tão difícil entrar na tua casa e não te encontrar.


Sinto o teu cheirinho e gostaria muito de ouvir a tua voz.


Minha vida está meio sem sentido. Não sei mais o que fazer com os meus domingos que ficaram totalmente vazios. Nossos domingos eram tão gostosos. Almoço, conversas, sorrisos, sonecas no sofá, lanche, filmes, programas de TV, decisões. Neste dia fazíamos tudo juntos. Líamos o jornal, líamos a mesma revista, algumas vezes optávamos pelo mesmo CD ou pelo mesmo DVD. Jogávamos conversa fora, fofocávamos, contávamos histórias, comíamos o feijão da Fátima.....Era tão bom estar todos os domingos contigo.


E agora, como será? O que será?

Estou perdida, sem rumo. Minha Nau partiu. O Lobo do Mar não está mais aqui para cuidar de mim.


Vi-te partindo muitas vezes. De carro, de avião, de navio. Chorei anos a fio com o tema do filme Aeroporto quanto foste buscar o Navio Pojuca. Mas, em todas as tuas partidas eu sabia que retornaria para mim, para nós, para tuas filhas. Pai, nunca mais irei lhe ver. Vi-te partindo em um caixão para o forno de cremação e o que restou de ti foi um punhado de cinzas.

Por que tem que ser assim? Por que tem que doer tanto? Por que o senhor sofreu tanto? Por que no dia da tua morte o teu coração funcionou tão bem? Por quê? Por quê? Por quê?


Perguntas que nunca serão respondidas. Respostas que nunca serão ouvidas. Vazio que nunca será preenchido. Saudade que nunca será saciada. Ausência que nunca será superada.

Até na hora da morte o senhor cuidou de nós. Passamos o dia todo ao teu lado e o senhor só morreu quando não tinha nenhuma filha perto. Como o senhor dizia: - “Não quero Polícia Federal me controlando!” E as filhotas amadas estavam longe. A 30 segundos de distância. Fora do seu quarto e o senhor morreu sem que nós víssemos a sua morte.

Sei que encontrarei contigo. Sei que está bem. Mas sou egoísta e te queria aqui, comigo.

Perdoa-me por te querer e fique em paz meu PAI.

Obrigado por tudo o que fizeste por mim. Obrigado por ter me dado a vida e por ter cuidado de mim. Obrigado pelas minhas irmãs. Obrigado pelos valores passados. Obrigado pelas palmadas. Obrigado pelo tempo investido em nós. As quatro mulheres de tua vida te amam e se orgulham de serem suas filhas.


Obrigado PAI.



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